12/02/2011

diagonia


o que eu vou te contar é mentira: espera, segue-me na esperança. transvejo o laboratório: minha cozinha, a pia, o fogão, a mesa, o chão, o armário, a geladeira, a vassoura e o rodo no chão, o botijão de gás, o pano de prato, a ratoeira, o ar e o único objeto que o preenche: minha respiração. minhas condições são estar sentado, de pernas cruzadas, como a bolha de sabão de pernas cruzadas que és, quem quer anulá-la? mas todos os convidados para o casamento em silêncio morreram. então imagina o frêmito. a baderna voraz deles caindo, não no chão que este é um dos infelizes. imagina que sobraram só o infeliz natural e sua carta de suicídio, como um órgão sintetizador de ânsias. tão deleitoso é pensar em como me matarás por não deixar de brincar contigo, ah, eu ao menos mantenho a palavra sem pacto, ou o pacto sem verbo feito enquanto eu sou enquanto és e tu és enquanto sou, nós sempre brincaríamos :exatamente isso o que antecede esta linha é sério e corruptível feito a ferrugem salgada que apenas pousa em tua pele e tu já sabes que o sal é cinza e cinzas. tua língua violeta é um telescópio. imagina que há um terceiro elemento que se chama espaço, só como condição, anagrama, rima, dialeto. mas eu preciso te esmiuçar assim porque é como se o único espaço existido fosse o meu corpo e a matéria das folhas. imagina que não sou eu quem te escreve: e nem outro, as palavras que sobraram quando nãos e sins entalaram gargantas, estas aqui, fazendo da mímica o gesto imprescindível para a continuação da criação e mesmo a sobrevivência do criado. então tudo o que não afundava no mar morto era um eu te amo? os manuscritos abissais? então como se nada exalasse memória, como se não houvesse transcendência nem um sorriso de quem está associando tão vigorosamente, ouve comigo a música da esperança: crianças podres e escorpiões picados por piões órfãos cheios de vingança

eu botara as folhas para secar, engolfadas no café, que envelhecessem, que se tornassem de sentimento mais primordial e insuscitável, roçasse tu mãos e narinas no papel e a partir dali amor sem lembrança, como a prova de deus te amar. ali, o papel, a carta, a prova. a prova nenhuma

a descontinuidade do sorriso

o silencinho brinca de lego e as peças mais avantajadas são meu e teu ego, que ser teria uma simples infecção na pele, que demônio realizaria minha imaginação, que quânticas partículas o véu removeriam da austera e medrosa barriga que é minha e entre ela e eu não mais o santíssimo nicho, a possibilidade dócil e anestésica e logo natural e imperfeita de poder mirar meu ventre meu ventríloquo e ver o antivarão se gerando. sem enfermeiras (não aceito que tu sejas uma, já que tua função é diagonal em mim, isto é, tortos criaremos) para um recheado bem-vindo, tu deste a luz a uma simpática cauda, ela nasceu lisa e tímida e trêmula, tu és cioso da minha falta vocabular e do erro inútil de minha palavrinha “simpática” ao teu bebê e a ti, simpática estou sendo eu não existindo no teu conto, já que negaste as enfermeiras, nenhum “por que me abandonaste,aste?” e minha cauda chorando, e minha cauda não chorando, nascida. nascente. nua até a punção dos teus dedos dançando mudras e oferecendo uma antiratoeira. pêlo e equilíbrio e simetria, já que assimetria não é o contrário da simetria do nosso altar. (eu sei, não pode existir “nosso altar”, mas também a esta altura eu já não posso hesitar) prova? prova, regalia? prova, de privar a navalha de seu corte cego, de sua saga de plástico, de sua alma de sal, tchau. “segunda-categoria, segunda-categoria, de-segunda, de-segunda, de si.” teu símbolo está com febre. tua ampulheta tem mel dentro, aqui jaz, aqui já, não mais revidarás, “meu estupefaciente amor de segunda-categoria, meu antisorvete, minha antipamonha”

nem carta fosse, como estas laudas sempre estivessem na tua gaveta, quanta claustrofobia, quanta aracnofilia. estas modalidades de amar. eu quero sacudir esta página até que todas as letras daninhas se despreguem e caiam no abismo onde o éter é um grão de poeira germinado. me segue, na canção da esperança: eu existo em mim, e as folhas secam penduradas na janela. nela. então o café desce em laivo, sulca porcelanamente a célula da folha, nascem filhos e imagens absurdamente comoventes, mas até aí houve sempre cozinha. aí pinga. aí pinga de novo. é uma carta longa, nunca tive coragem de contar as páginas. mas as primeiras já param de pingar. só as primeiras. as de letra ainda tentada. ouve comigo tal canção ilegível. pingo por pingo quase negro. é o concerto da esperança regido sem pressa. o maestro não está nos céus, deveria ter um crime, eis, houve-o, ouve-o, ouve a regência das goteiras, já que és do outro lado do espelho da janela do bocado de timidez do espelho e tudo te acontece, cada minha intuição, cada gota, e nada. onde elas pingam, se só sobrevive nós? eu quero sacudir esta página até que todas as letras daninhas se despreguem e caiam no abismo onde o éter é um grão de poeira germinado e esta tecnologia desprovida de tristeza, a quem me integro numa antigüidade exígua, preliminar e subliminar

nós fazemos perguntas lindas, então uma resposta não bastaria. depois de respondidas, o que seria dessa beleza inútil? essa beleza que não retrocede
soneto, soneto, soneto, soneto, soneto, sono e neto
um órgão sintetizador de advérbios
um adolescente encapsulado
um talismã vindo junto de uma catapora
“v” de vício de virtude de vazio eu bocejo infantilizado e sem sono esse monte de brincadeiras brincadas se fazendo
mas espera (aqui a bolha acelera e mata todo o asfalto)
o que eu vou te contar é mentira( )

Nenhum comentário:

Postar um comentário